Artigo

DE VOLTA A AGOSTINHO

O tempo de quarentena me favoreceu uma oportunidade de retomar algumas leituras.  Esse tempo me trouxe de volta a Agostinho de Hipona.

Havia lido as suas Confissões pela primeira vez ainda quando seminarista - isso já se vão três décadas e uma "nova" edição me chegou às mãos.  Então decidi que era uma boa oportunidade de dialogar novamente com o Santo Douto.

Não acho necessário aqui fazer uma resenha ou apanhado crítico da obra.  Dei uma olhada na internet e encontrei um bocado de textos e publicações que já fazem isso.  Para não apenas acrescentar mais uma, vou apenas tangenciar o assunto.

Vamos lá:

Primeiro.  Quando me referi a uma "nova" edição, estava comparando com a que tive acesso no Seminário em Recife, que era publicação da década de 1950.  Essa agora é do ano 2000, mas manteve muito da linguagem clássica e erudita.  Tudo bem!  Deu para ler.  O vocabulário cheio de termos em desuso e a presença insistente de pronomes de segunda pessoa criaram uma atmosfera literária que pareceu me reportar à antiguidade, quando o livro foi escrito.

Segundo.  Nunca tive dúvida em afirmar que o modelo teológico agostiniano sempre foi um oriente bem marcado na minha própria formação teológica.  Então voltar às suas confissões só me fez relembrar o porquê de me sentir em casa entre seus escritos.

Terceiro.  Sei que os clássicos nunca são leitura recomendada para quem busca refresco e suavidade enquanto degusta um bom livro deitado numa rede num final de tarde.  E Agostinho é sim refeição pesada!  Mas uma boa ginástica intelectual sempre faz bem.

quarto.  Agostinho era crente.  E dos bons!  Só que tenho lá minhas dúvidas se eles se ambientaria bem na igreja de hoje. Mas...

Bem, de volta a Agostinho.

As Confissões, como o próprio título já indica, são o relato que o próprio Agostinho faz de sua vida e trajetória.  E isso ele faz entrecortando com pensamentos e reflexões profundas e significativas.

Aponto algumas:

"Vós o incitais a que se deleite nos vossos louvores, porque nos criastes para vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em vós."  Para mim essa citação inicial é a citação.  Quando penso no Santo Agostinho, é essa a primeira referência.  O reconhecimento de um Deus que graciosamente nos atrai para sermos inteiros e nos saciamos nele mesmo.

"Não há dúvida que a memória é como o ventre da alma."  Depois eu talvez escreva mais e me aprofunde nesse conceito: a nossa memória foi uma benção dada por Deus para com ela poder fecundar nossa alma.  Com certeza tem muito o que se degustar aqui.

"Na eternidade nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente."  Pode até parecer apenas um jogo de palavras, mas o peso de toda a argumentação de Agostinho é fortíssimo e não me lembro de ninguém ter conseguido demonstrar de maneira tão clara os conceitos de nossa inferioridade de percepção no tempo e a grandeza da eternidade divina.

"O único Deus acomodou a Escritura Sagrada à inteligência de muitos que haviam de descobrir nela coisas verdadeiras e diferentes."  A quantidade de textos bíblicos que Agostinho cita é impressionante (principalmente dos Salmos) e ele sempre trata o texto como obra do amor e cuidado de Deus em se revelar.  Mas também não há arrogância em afirmar que sua interpretação e compreensão particular é a única certa é apropriada.  Para entender a Bíblia é preciso que o Espírito se mova sobre o fiel.

E, para terminar, uma citação do apóstolo Paulo tirada diretamente da pena do bispo de Hipona:

"Reformai-vos no rejuvenescimento do vosso espírito para entenderes qual seja a vontade de Deus, e discernirdes o bem, o agradável e o perfeito" (a partir de Rm 12:2).